Mandume: o rei que não se curva

Instituto Afrofuturo
4 min readOct 2, 2018

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A história de Mandume Ya-Ndemufayo é uma aula de resistência e fidelidade aos valores ancestrais.

Único filho homem de sua mãe, Ndapona Shikende, e seu pai, Ndemufayo, Mandume nasce no fim da década de 1880 na região de Kunene, sul de Angola. Nomeado Ohanda (rei) aos 21 anos de idade em 1911, tornou-se o mais famoso líder dos Kwanyama por ter enfrentado de forma contundente as forças coloniais portuguesas e britânicas. Educado por missionários alemães, cresceu em um momento conturbado devido a ocupação de comerciantes e missionários europeus em seu território de nascimento.

Homens Kwanyama tocando instrumentos

O contexto de seu breve reinado compreende justamente o período após o Tratado de Berlim, em que colonizadores europeus dividiram entre si o continente africano, de forma a submeter centenas de etnias africanas à exploração e roubo.

Seu reinado foi conhecido por expulsar a maior parte da influência branca de suas terras. Os únicos brancos permitidos eram padres luteranos alemães que ensinavam escrita, leitura e religião protestante. Contudo expulsou cristãos católicos e comerciantes portugueses por praticarem preços abusivos. Em seu governo, mulheres passaram a ter permissão de possuírem seu próprio rebanho — o que antes era proibido — e o crime de estupro passou a ter penas muito mais duras.

Mulheres Kwanyamas tocando instrumentos

Ainda no século XVIII, o reino Kwanyama tornou-se notável em seu território e começou a fazer comércio armas com alemães. Com a invasão portuguesa, Mandume empreendeu diversas batalhas, como por exemplo a batalha de Omongwa, conhecida por ter durado cerca de três semanas. Durante este episódio violento, Mandume foi aconselhado por enviados britânicos a conduzir seu exército e marchar em direção à Oihole, enquanto negociariam com os portugueses sua retirada em direção ao norte. Já prevendo uma traição, Mandume põe fogo em seu palácio em Ondjiva e parte em direção ao sul. O exército português estava montando suas colunas para emboscar Mandume com o consentimento dos britânicos.

Mapa de Angola

Ao ser recebido pelo rei ndonga Shihetekela em Ombandja, Mandume se estabelece e continua enfrentando ofensivas de britânicos e portugueses de ambos os lados em batalhas cada vez mais sangrentas.

Mandume e seus soldados

30 de outubro de 1916, Portugal envia uma grande força ostensiva de 7 mil homens para derrotar o povo Kwanyama comandada por Raul Andrade. Atraídos por uma cilada, os portugueses acabam sendo esmagados em campo de batalha e tem seus corpos expostos como prova da bravura dos guerreiros Kwanyama.

Em dezembro de 1916, recebe do comandante britânico um ultimato: ou aceitaria a divisão de seu território ao meio entre Portugal e Grã-Betanha submetendo-se a ambas autoridades, ou deveria entregar-se e ser destronado. De forma altiva, Mandume responde com uma frase que tornou-se célebre em Angola até os dias atuais:

“Meu coração me diz que não fiz nada de errado. Se o inglês me ama, eu estou aqui, eles podem vir e podem me tirar daqui. Eu não vou disparar o primeiro tiro, mas eu sou um homem e não um steenbok (pequeno antílope). Eu lutarei até que minha última bala termine. “

Em 6 de fevereiro de 1917, após ter seu abrigo cercado por portugueses e britânicos com blindados e forte armamento, foge ferido com seus fiéis comandantes para baixo de uma enorme árvore chamada imbondeiro. Conta-se que perguntou a cada um se preferiam ficar vivos e servir aos brancos ou morrer junto ao seu rei. Tendo todos escolhido a morte, Mandume atira em seus companheiros, suicidando-se em seguida.

Hoje Mandume Ya-Ndemufayo é exaltado como um dos mais respeitados líderes africanos, sendo citado como exemplo de resistência e tenacidade na história africana.

Templo em homenagem à Mandume
Universidade Mandume Ya-Ndemufayo

Possui uma universidade que carrega seu nome sediada em Lubango. Foi erguido um templo em sua homenagem no município de Namacunde, na província do Kunene, região sul de Angola.

// Texto por Morena Mariah, africana da diáspora brasileira, integrante do Ciclo Mulherismo Afreekana e graduanda em Estudos de Mídia pela Universidade Federal Fluminense.

Referências:

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