Mandume: o rei que não se curva
A história de Mandume Ya-Ndemufayo é uma aula de resistência e fidelidade aos valores ancestrais.
Único filho homem de sua mãe, Ndapona Shikende, e seu pai, Ndemufayo, Mandume nasce no fim da década de 1880 na região de Kunene, sul de Angola. Nomeado Ohanda (rei) aos 21 anos de idade em 1911, tornou-se o mais famoso líder dos Kwanyama por ter enfrentado de forma contundente as forças coloniais portuguesas e britânicas. Educado por missionários alemães, cresceu em um momento conturbado devido a ocupação de comerciantes e missionários europeus em seu território de nascimento.
O contexto de seu breve reinado compreende justamente o período após o Tratado de Berlim, em que colonizadores europeus dividiram entre si o continente africano, de forma a submeter centenas de etnias africanas à exploração e roubo.
Seu reinado foi conhecido por expulsar a maior parte da influência branca de suas terras. Os únicos brancos permitidos eram padres luteranos alemães que ensinavam escrita, leitura e religião protestante. Contudo expulsou cristãos católicos e comerciantes portugueses por praticarem preços abusivos. Em seu governo, mulheres passaram a ter permissão de possuírem seu próprio rebanho — o que antes era proibido — e o crime de estupro passou a ter penas muito mais duras.
Ainda no século XVIII, o reino Kwanyama tornou-se notável em seu território e começou a fazer comércio armas com alemães. Com a invasão portuguesa, Mandume empreendeu diversas batalhas, como por exemplo a batalha de Omongwa, conhecida por ter durado cerca de três semanas. Durante este episódio violento, Mandume foi aconselhado por enviados britânicos a conduzir seu exército e marchar em direção à Oihole, enquanto negociariam com os portugueses sua retirada em direção ao norte. Já prevendo uma traição, Mandume põe fogo em seu palácio em Ondjiva e parte em direção ao sul. O exército português estava montando suas colunas para emboscar Mandume com o consentimento dos britânicos.
Ao ser recebido pelo rei ndonga Shihetekela em Ombandja, Mandume se estabelece e continua enfrentando ofensivas de britânicos e portugueses de ambos os lados em batalhas cada vez mais sangrentas.
30 de outubro de 1916, Portugal envia uma grande força ostensiva de 7 mil homens para derrotar o povo Kwanyama comandada por Raul Andrade. Atraídos por uma cilada, os portugueses acabam sendo esmagados em campo de batalha e tem seus corpos expostos como prova da bravura dos guerreiros Kwanyama.
Em dezembro de 1916, recebe do comandante britânico um ultimato: ou aceitaria a divisão de seu território ao meio entre Portugal e Grã-Betanha submetendo-se a ambas autoridades, ou deveria entregar-se e ser destronado. De forma altiva, Mandume responde com uma frase que tornou-se célebre em Angola até os dias atuais:
“Meu coração me diz que não fiz nada de errado. Se o inglês me ama, eu estou aqui, eles podem vir e podem me tirar daqui. Eu não vou disparar o primeiro tiro, mas eu sou um homem e não um steenbok (pequeno antílope). Eu lutarei até que minha última bala termine. “
Em 6 de fevereiro de 1917, após ter seu abrigo cercado por portugueses e britânicos com blindados e forte armamento, foge ferido com seus fiéis comandantes para baixo de uma enorme árvore chamada imbondeiro. Conta-se que perguntou a cada um se preferiam ficar vivos e servir aos brancos ou morrer junto ao seu rei. Tendo todos escolhido a morte, Mandume atira em seus companheiros, suicidando-se em seguida.
Hoje Mandume Ya-Ndemufayo é exaltado como um dos mais respeitados líderes africanos, sendo citado como exemplo de resistência e tenacidade na história africana.
Possui uma universidade que carrega seu nome sediada em Lubango. Foi erguido um templo em sua homenagem no município de Namacunde, na província do Kunene, região sul de Angola.
// Texto por Morena Mariah, africana da diáspora brasileira, integrante do Ciclo Mulherismo Afreekana e graduanda em Estudos de Mídia pela Universidade Federal Fluminense.
Referências: