afrofuturo por Maria Chantal
Estamos estreando os textos sobre afrofuturo na perspectiva de pessoas pretas que constroem no presente convidadas especialmente para contarem um pouco de suas trajetórias, dividindo suas referências e pontos de vista sobre a temática.
A conversa dessa semana é com Maria Chantal, mulher preta angolana criada no Brasil, designer e estilista da marca Maria Chantal.
Quais as primeiras referências que fizeram você entender o que era ser uma mulher preta?
Eu sempre me entendi como mulher negra, sendo de uma família africana não tem como não nascer sabendo que você não é branco. Mas acho que a pergunta é mais profunda e se trata sobre entender o sistema racial e se entender dentro dele. Então, eu só fui ter esse entendimento verdadeiramente aos 19 anos. As minhas referências foram muitas páginas sobre negritude que haviam na internet, nacionais ou internacionais e autoras como Alice Walker, que me levou a criar uma animação chamada identidade.
Quais as principais mudanças que você notou na sua vida desde entendeu o significado de ser uma pessoa preta?
Tenho dado cor as pessoas, parei de universalizar pessoas brancas, eles não são pessoas e ponto, eles são pessoas brancas. Só adicionava cor quando era uma pessoa negra ou de uma etnia que não fosse a etnia branca. Também passei a procurar por conhecimentos africanos que não aprendi e faço questão de explaná-los através das minhas contas no Instagram @maria.chantal ou @lojamariachantal. Me reconhecer mulher preta, mulher africana me faz reinvidicar África em tudo o que faço. Que minhas leituras sejam africanas, minha alimentação, meu comportamento, meu pensamento, minha dança… minha alma. Infelizmente alguns confundem isso com racismo reverso, mas esse é só o meu jeito de me curar.
O que quer dizer pra você hoje ser uma mulher preta que vive em diáspora?
Quer dizer resistir em todo o instante. A todo momento as referências que você recebe são européias, então é complicado você usar as roupas tradicionais e não se sentir se fantasiando, porque no geral roupas africanas são vistas dessa forma, fantasia, não cultura. Seu psicológico fica em guerra mesmo quando você não está percebendo, você se sente perdendo cultura e não pode fazer muito, já que é muito comum quem está em diáspora indo aos poucos desaprendendo a própria língua, porque ela é vista como dialeto e a não ser que você tenha com quem praticar você com certeza vai esquecer. Eu tenho buscado meios de voltar a falar “Lingala” umas das línguas do tronco linguístico Bantu, falada por parte da minha família, mas atualmente continuo sendo apenas ouvinte. Fora as questões que eu citei acima também tem o fato de sempre ter que ensinar um pouco sobre África, quando se diz que é de Angola, muitos acham que Angola é capital de África. E além de ensinar geografia, tem que ensinar política e história também, porque muitos acham que tudo no continente se resume a miséria, AIDS e guerra.
Como você começou a produzir na sua marca Maria Chantal?
Há 3 anos quando me deparei com uma situação de racismo que me ensinou muito sobre. Esse evento me fez conhecer pessoas que já eram engajadas na militância que me ensinaram mais sobre o que de fato é ser preto em um mundo construído para brancos e o que de fato se trata o racismo. Eu sempre achei que era apenas quando chamavam alguma pessoa negra de A ou B.
O que você costuma ler?
Costumo ler muitos assuntos variados, mas no geral gosto de livros que falem sobrre saúde financeira, espiritual, mental, física… Eu li um livro chamado “Sugar Blues” que me fez reduzir o consumo de refinados. Outro livro que mudou minha vida foi a autobiografia de Wangari Maathai, uma ambientalista foda que me ajudou a construir a ideia de que esse movimento de “cuide da natureza” não é coisa que branco inventou, isso sempre foi dos povos nativos, que sempre conseguiram conviver com a natureza de forma sustentável. Atualmente não tenho lido muito além do material da faculdade de marketing, mas chegando as férias eu ponho minha lista em dia.
Sacred Woman de Queen Afua
Maat: As 11 leis de Deus de Ra Un Nefer Amen
Economia: Modo de usar de Ha-Joon Chang
Lua Vermelha de Miranda Gray
Me interesso muito por textos que valorizem o feminino, não estou falando de feminismo, movimento nascido na Europa. Estou falando de um comportamento que muitas civilizações africanas e de outros locais também tinham que era o respeito a figura feminina, respeito ao corpo feminino, a energia feminina e ao ventre.
Você tem alguma referência afrofuturista?
Eu tenho. Uma delas é a cantora Jojo Abot, mas também tem Oshun que é uma banda que eu amo e torço demais.
Que futuro você vislumbra para os pretos ao redor do mundo e que tipo de construção você entende que devemos fazer como povo?
Acho que a movimentação que devemos fazer é a de unidade, não estou dizendo que todos devam ter as mesmas ideologias, a gente é muito plural. Ao criar a coleção Adinkra eu conheci a filosofia Asante através dos crocodilos siameses que diz: “é preciso irmos juntos quando se tem o mesmo destino”. Precisamos ver a grandiosidade do sistema racista, precisamos agir por unidade. Imagina se todos os pretos resolvem não assistir novelas, programas que não nos representem como 54% da população. Mas de qualquer forma eu sou bem otimista sobre o nosso futuro, a população preta está cada vez mais acordando. E aos poucos, mesmo que individualmente (o que é bem importante), a gente vai destruindo o sistema racista.
// Morena Mariah é filha de Osun, fundadora da @inovacolab e graduanda em Estudos de Mídia pela Universidade Federal Fluminense.